quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crises econômicas e o surgimento de nacionalismos


Por Pedro Henrique Garbellotti de Melo*


Crises econômicas costumam ser associadas ao retorno de medidas protecionistas (nacionalismo econômico), e hostilidades contra minorias (nacionalismo étnico-cultural) (BRUBAKER, 2011, p. 93). Portanto, será abordado nesse artigo, se a crise financeira é o fator fundamental para o desencadeamento dos nacionalismos ou se esta é apenas um dos fatores que contribuem para o seu surgimento.
Em fevereiro de 2009, a revista The Economist publicou um artigo que atenta ao fato de que a “reemergência do nacionalismo econômico [...] está transformando a crise econômica em uma crise política e ameaçando o mundo em depressão”. No contexto da grande depressão de 1930, as medidas tomadas pelo Estado como o aumento de tarifas, desvalorização da moeda e diversas outras medidas para proteger a economia nacional, levaram ao surgimento de diversas contramedidas adotadas por outros países, desencadeando as famosas “tariff wars” e uma série de desvalorizações competitivas da moeda, agravando a crise (BRUBAKER, 2011, p. 98). Portanto fica claro o temor no trecho acima.
Entretanto, hoje em dia, vivemos em uma economia totalmente globalizada e se torna cada vez mais difícil que o Estado defenda o interesse nacional perante o mercado global sem sofrer algum tipo de retaliação econômica, como visto na grande depressão (WORKMAN, 2009). Outro fator que impede o surgimento de protecionismos, é que a maioria das trocas internacionais ocorre em áreas de livre comércio ou por acordos comerciais e estes estão regulados pela Organização Mundial do Comércio; sem contar a maior dependência de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (BRUBAKER, 2011, P.98).
É evidente que, mesmo com medidas em favor da liberalização econômica, os Estados procuraram e ainda procuram proteger os seus produtores e a sua economia nacional, mesmo no apogeu do liberalismo e do comércio internacional. Como diz o historiador Eric Hobsbawm (2013, p. 39): “A economia novecentista era mais internacional do que cosmopolita. [...] O desenvolvimento da economia moderna foi integralmente vinculado às “economias nacionais.” Dessa forma, as medidas protecionistas que foram tomadas na crise de 2008, não representam efetivamente o nacionalismo econômico, mas sim medidas mínimas e necessárias para o bom funcionamento do próprio livre-comércio.
Ações protecionistas não incluem apenas medidas para proteger os produtores locais, mas também buscam proteger os trabalhadores nacionais (BRUBAKER, 2011, p. 104). E isso pode acabar resultando em um nacionalismo de cunho étnico-cultural, ou seja, contra os imigrantes. Primeiramente, em um mundo de Estados-Nações os cidadãos nacionais são, naturalmente, mais privilegiados do que os estrangeiros (WIMMER, 2002 apud BRUBAKER, 2011, p. 95). Logo, políticas para proteger os trabalhadores locais não estão limitadas aos períodos de crise. Todos os que são considerados cidadãos legítimos do país têm acesso ao mercado de trabalho, enquanto apenas algumas categorias de imigrantes possuem o direito de atuar neste mercado. Pode-se dizer que mesmo quando existem medidas restritivas para os estrangeiros, elas mais coincidem com a crise econômica, do que necessariamente são causadas pelo colapso financeiro (BRUBAKER, 2011, p. 100).
Nacionalismos étnico-culturais também podem emergir contra uma minoria que possui algum papel importante na economia, como por exemplo, é o caso dos judeus, que frequentemente foram vistos como culpados pelas crises financeiras (LINDEMANN, 1997 apud BRUBAKER, 2011, p. 104). Também pode surgir contra grupos que não são classificados como beneficiários da crise, como os imigrantes africanos e mulçumanos.
Todavia, a crise economia não cria necessariamente tais respostas contra essas minorias, ela apenas destaca e dramatiza essas oposições (BRUBAKER, 2011, p. 103). Isso porque a xenofobia, que não é um fenômeno novo, é um reflexo dos cataclismos sociais e dos grandes movimentos internacionais de população. E esta tem sua real força nas próprias contradições da ideologia do capitalismo globalizado, que fracassou no estabelecimento da livre movimentação internacional da força de trabalho, ao contrário do capital e do comércio (HOBSBAWM, 2007, p. 92).
Assim as crises financeiras podem apenas fornecer um recurso retórico para que os políticos ou os grandes empresários mudem o foco do problema real, ou seja, eles podem utilizar essas minorias como bode expiatório (BRUBAKER, 2011, p. 105). Consequentemente, nesses períodos, a receptividade popular desses tipos de discurso, infelizmente, também aumenta, tanto que em 2011, os partidos de extrema direita obtiveram resultados recordes na maioria dos países europeus (BBC BRASIL, 2011). Assim, a crise em si não gera o nacionalismo étnico-cultural.
Portanto, após essa discussão, fica claro que tanto o nacionalismo econômico quanto o nacionalismo étnico-cultural não são necessariamente frutos de crises econômicas. Como diz Dani Rodrik: “O protecionismo foi o “cão que não latia” durante a crise de 2008. E em relação às respostas da população perante aos imigrantes, a crise foi apenas um fator que reforçou uma situação endêmica de Estados-Nações, ou seja, houve um fortalecimento dos critérios protonacionais, gerando uma onda de racismo e xenofobia contra as minorias, tirando o foco dos verdadeiros culpados pela crise econômica.

*Pedro Henrique Garbellotti de Melo é graduando do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Fonte da imagem: http://www.nato.int/
REFERÊNCIAS
BBC BRASIL. Nacionalismo avança e conquista eleitores na Europa. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/04/110418_nacionalismo_europa_mdb.shtml. Acesso: 01/12/2013.
CALHOUN, Craig (org); DERLUGUIAN, Georgi (org). The deepening Crisis: Governance Challenges after Neoliberalism Volume II.1. ed.Nova York: NYU press, 2011.
HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. 1. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
______. Nações e Nacionalismo desde 1780.6. ed. São Paulo : Paz e Terra, 2013.
RODRIK, Dani. The Myth of Rising Protecionism. Disponível em: http://www.project-syndicate.org/commentary/the-myth-of-rising-protectionism. Acesso: 01/12/2013.
THE ECONOMIST.The Return of Economic Nationalism.Disponível em: http://www.economist.com/node/13061443. Acesso: 01/12/2013.
WORKMAN, Garrett.Economic Nationalism: Transatlantic Responses to the Financial Crisis in Comparative Perspective. 2009. Disponível em: https://cdr.lib.unc.edu/indexablecontent?id=uuid:b1cfe74e-3cab-4c41-9556-f523bb798543&ds=DATA_FILE. Acesso: 01/12/2013.
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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Acordo Nuclear Irã-Ocidente: um realinhamento de forças?

        
As delegações norte-americana e iraniana se cumprimentam após chegarem a um acordo provisório.

*Por Andrew Patrick Traumann

Os próximos seis meses serão decisivos para o tabuleiro do Oriente Médio. O presidente norte-americano Barack Obama tem mostrado muito mais disposição á paz do que  seu antecessor George W. Bush. Primeiro cancelou um ataque que parecia iminente á Síria após a Rússia obter um acordo com o governo de Damasco e agora,contra seus principais aliados na região Arábia Saudita e Israel,e também a oposição doméstica, vem se aproximando daquele que é considerado por muitos o mais obstinado rival norte-americano: o regime islâmico de Teerã.
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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Debate-Questão Síria



                                    O líder sírio Bashar Al-Assad e o presidente russo Vladimir Putín



Resenha do debate ocorrido no último dia 13/09 no Mini-Auditório do UNICURITIBA sobre a crise síria

Por Sophia Zaia *

No dia 13 de setembro alunos e professores do curso de Relações Internacionais assistiram a um debatesobre a crise na Síria que contou com a presença dos Professores Andrew Traumann, George Sturaro e Thiago Assunção e a Professora Jannifer Zarpellon como mediadora. O conflito sírio foi analisadopelos Professoressob diferentes perspectivas e de acordo com a especialidade de cada um.

O Prof. Andrew explicou as origens históricas do conflito sírio que não é recente; o pai de Bashar al-Assad (atual presidente sírio), Hafez al-Assad, assumiu a presidência da Síria em 1971. O Presidente alauíta (seita do Xiismo, privilegiada durante o colonialismo francês), treinado na União Soviética, era partidário do nacionalismo e secularismo árabe e defensor do pan-arabismo. Hafez al-Assad foi também o Secretário Geral do partido Ba’ath na Síria, que possuía como lema a união, a liberdade, contra o imperialismo europeu, e o socialismo, em termos de governo e sociedade mais igualitários e distantes do imperialismo hegemônico dos Estados Unidos. A partir da década de 1980, o contexto de antiamericanismo se intensificou na Síria: o país passou a ter relações mais fortes com a União Soviética, principalmente durante a Guerra do Líbano. A guerra dos seis dias na Jordânia complicou ainda mais o cenário no Oriente Médio: houve um aumento no fundamentalismo islâmico e uma busca maior de soluções na própria religião islâmica ao passo que seus adeptos estavam cansados de importar ideologias ocidentais para as suas realidades. 
É nesse contexto que Hafez al-Assad reafirma seu poder dentro da Síria, após a tentativa fracassada da Irmandade Muçulmana (organização fundamentalista islâmica) em matar o presidente, e prepara a sua sucessão. Bashar al-Assad assume a presidência após a morte do pai, em junho de 2000,e implementa medidas (privatizações, bancos privados, abertura da imprensa, a internet) visando a abertura econômica do país, porém o quadro interno na Síria muda após o ataque às Torres Gêmeas,em Nova York em setembro de 2001, e o país é praticamente colocado no “eixo do mal” pelos Estados Unidos que acusou Bashar al-Assad de apoiar o terrorismo. A partir de então a situação política, econômica e social da Síria apenas se agrava; a pressão e embargo econômico impostos pelos Estados Unidos, além de secas que atingiram o território sírio e o aumento do êxodo rural e do desemprego contribuíram para a escalada da insatisfação popular e manifestações contra o governo de al-Assad, das quais foram intensificadas com a Primavera Árabe (2010). 

Acredita-se que grande parte dos rebeldes que lutam contra Bashar al-Assad pertecencem à organização fundamentalista islâmica, Al Qaeda, ou são mercenários e grupos guerrilheiros financiados pela Arábia Saudita. Do outro lado da guerra, a Síria e o Hezbollah (ambos Xiitas) são o eixo de resistência à hegemonia dos Estados Unidos. O Prof. Andrew argumenta que em meio a esse conflito, não é possível afirmar seguramente quem realizou o ataque químico, do dia 21 de agosto, nos arredores de Damasco. Poderia ter sido a resistência a fim de chamar a atenção dos Estados Unidos ou até mesmo o próprio Assad para mostrar sua força aos estadunidenses, indaga o Prof. Andrew. Uma peça, no entanto, é clara nesse quebra-cabeça: o papel e interesse dos Estados Unidos em desgastar tanto a Al Qaeda quanto o Irã.

O Prof. George, com enfoque em política internacional, explicou que há duas questões chaves quanto aos possíveis desdobramentos do conflito sírio: a primeira é a possibilidade de intervenção dos Estados Unidos no conflito e a segunda a proposta russa para a resolução do impasse criado quanto ao uso de armas químicas.Ação militar limitada por parte dos Estados Unidos, proposta pelo Presidente estadunidense, Barack Obama, incluiria a imposição de uma zona de exclusão aérea para a Síria, assim como, a destruição seletiva de alvos militares ou governamentais sírios, operações que se enquadrariam na intervenção estratégica que tem por objetivo a contenção ou a neutralização de uma ameaça. Essa retaliação limitada poderia evitar a criação de um precedente perigoso, ou seja, enviaria uma mensagem das consequências para aqueles que no futuro desejassem utilizar armas químicas dissuadindo, portanto, o uso dessas. Por outro lado, uma ação militar limitada provavelmente aumentaria o antiamericanismo na região devido ao risco tangível de haver mortes civis, assim como, a possibilidade de escalada e transbordamento do conflito perdendo-se o controle desse, explica o Prof. George. Se os Estados Unidos decidissem adotar uma “política de apaziguamento” na Síria, esses estariam preservando sua imagem internacional ao passo que uma retaliação limitada violaria Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas na qual a intervenção só é permitida no caso de legítima defesa. Em contrapartida, a escolha estadunidense em não intervir na Síria poderia emitir um sinal de que o uso de armas químicas é tolerável concedendo a oportunidade de essas serem utilizadas contra os Estados Unidos em um conflito. A “política de apaziguamento” comprometeria também a credibilidade dos Estados Unidos perante seus aliados regionais (Israel e Arábia Saudita), abalando, em longo prazo, a sua segurança e o seu sistema de alianças.

No que diz respeito à segunda questão, o Prof. George explicou que a proposta russa à Síria, em permitir o acesso de inspetores internacionais ao arsenal de armas químicas e o seu desmantelamento, é interessante e mudaria todo o cálculo estratégico dos Estados Unidos, pois esvaziaria a necessidade e o significado de uma intervenção por parte desses. No entanto, tal proposição deve vir apoiada por uma cláusula punitiva havendo a garantia de seu efetivo cumprimento, ou seja, se armas químicas forem encontradas e Assad não entregá-las, está permitida a intervenção estratégica dos Estados Unidos. Quanto ao papel da ONU (Organização das Nações Unidas), em sua Carta, a organização se compromete a proteger obrigatoriamente os direitos humanos internacionalmente. No entanto, de acordo com o Artigo 7º da Carta, a ONU não pode intervir em assuntos de jurisdição interna de Estados, salvo na hipótese de ameaça à paz internacional. Uma vez que o conflito ainda não constitui uma ameaça à paz internacional, pois não houve o seu transbordamento, iniciativas por parte das Nações Unidas ficam paralisadas, argumenta o Prof. George.


Com uma perspectiva em Direito Internacional e Direitos Humanos, o Prof. Thiago explicou que há uma ampla gama de interesses e sentimentos envolvidos por parte do governo e da sociedade estadunidenses em relação ao conflito sírio. O Professor colocou questões a serem refletidas, como: se o Presidente Obama era ferrenho opositor da Guerra no Iraque, por que propôs um ataque militar a Síria? Teriam os Estados Unidos a legitimidade para atuarem (novamente) como polícia do mundo? Estudos comprovam que a opinião pública dos Estados Unidos é totalmente contrária a uma intervenção armada na Síria, porém, ao mesmo tempo, a indústria bélica é um motor econômico para o país norte-americano e abrange grande parte da população, o que acaba novamente fragmentando posições acerca da situação. A Rússia por sua vez demonstrou seu descontentamento no Conselho de Segurança da ONU quanto à proposta de intervenção dos Estados Unidos; o Presidente russo, Vladimir Putin, defendeu que um ataque militar à Síria, mesmo sendo limitado, poderia reavivar e intensificar o antiamericanismo na região, sentimento que corre o risco de ser estendido em relação aos aliados dos Estados Unidos e até mesmo ao Conselho de Segurança. 

O Prof. Thiago aponta ainda que a proposta da Rússia para a crise é uma solução favorável por constituir-se em uma solução não-militar, porém se Barack Obama comprometer-se em não retaliar militarmente a Síria e fizer justamente o contrário, isso a implicará na perda de poder dos Estados Unidos. Caso uma intervenção militar venha a se concretizar, havendo simultaneamente o respeito ao Direito Internacional, poucas casualidades e a legitimação da própria intervenção, o conceito de segurança humana deve estar presente, no qual há a defesa dos direitos humanos e a consideração em primeiro lugar pelas populações envolvidas, divergindo do conceito clássico de segurança militar que, por sua vez, coloca em primeiro plano a segurança e sobrevivência individual dos Estados. O Prof. Thiago indaga ainda quanto à falta de coerência, do ponto de vista do Direito Internacional, por parte dos Estados Unidos e Israel em pressionarem a Síria a assinar o Chemical Weapons Convention (CWC-1993), sendo que Israel não é signatária da convenção e os Estados Unidos, por exemplo, causaram a morte de milhares de vietnamitas por armas químicas durante a Guerra do Vietnã. O mesmo professor argumenta ainda que enquanto o Conselho de Segurança vê seu processo decisório paralisado, impossibilitando qualquer avanço quanto a uma decisão para a crise na Síria, e as Nações Unidas são incapazes de conciliar diferenças e agir de forma realmente unida, tanto o governo de Bashar al-Assad como rebeldes continuam a cometer diariamente crimes contra a humanidade em território sírio levando a centenas de milhares de refugiados a países vizinhos.

*Sophia Zaia é aluna do oitavo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
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sábado, 12 de outubro de 2013

Educação em direitos humanos como instrumento de conscientização para a realidade prisional brasileira


Por Julianna Villa Verde

Em dezembro de 2008, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República publicou um estudo sobre as percepções da população brasileira a respeito dos Direitos Humanos. Quando questionados se os direitos fundamentais dos presos e bandidos deveriam ser respeitados, 26% dos entrevistados afirmaram que não, enquanto 41% dos entrevistados afirmou que os presos deveriam ter parte dos seus direitos abolidos, pelo fato de terem transgredido a lei[1]. Outro resultado curioso da pesquisa é o nível de concordância em relação a algumas frases recorrentes no vocabulário popular. Por exemplo, apenas 36% dos entrevistados discordaram totalmente com a frase "bandido bom é bandido morto", expressão que fere um dos principais direitos humanos apontados pelo mesmo grupo de entrevistados como invioláveis, o direito à vida.
Os resultados divulgados representam a realidade alarmante das condições em que se encontra a democracia brasileira, que segundo César Benjamin, se baseou, desde o seu reestabelecimento, apenas no início de um padrão de organização e administração do poder governamental, “completamente dissociada de fins e valores, bem como das condições de existência que a população enfrenta na vida real”[2].
O fato de que a pesquisa teve resultados bastante contraditórios no que concerne a preocupação da população brasileira pela observação dos direitos humanos demonstra a fragilidade desses conceitos na construção da cidadania dos brasileiros, enfraquecida pela falta de atenção do sistema educacional na observância desses conceitos e princípios, fato esse que se mostra como apenas um dos defeitos desse sistema, negligenciado pelo governo desde os tempos do Império[3].
Efetivamente, a prática da educação em direitos humanos no Brasil foi tardiamente levada em conta como instrumento de consolidação da luta em favor do desenvolvimento social e da diminuição da desigualdade. Por causa de uma forte heterogeneidade social, econômica e cultural entre os estados brasileiros, e por uma grande concordância histórica entre as políticas de Estado e os interesses das elites na formulação do sistema educacional do país, a sociedade brasileira ainda se mostra profundamente conservadora e pouco emancipada intelectualmente.
O mesmo processo de formulação de políticas sociais subordinadas aos interesses oligárquicos fez com que o princípio de cidadania ficasse pouco claro ao entendimento dos brasileiros. Segundo Comparato, cidadão é aquele que “participa ativamente na configuração do futuro de sua sociedade, através do debate e da participação na tomada de decisões políticas”. Em outras palavras, se resume em uma responsabilidade de cada ser humano na qualidade de vida comunitária, gerando, o que Paulo Freire chama de “ética universal do ser humano”, ou seja, um conjunto de princípios inerente à condição humana, que deve ser reivindicado por todos.
A cidadania, valor que deveria ser disseminado pelo sistema educacional, também é esquecido pelos meios de comunicação populares, grandes responsáveis pela construção do pensamento de uma sociedade sobre as diferentes facetas da realidade em que vive. Em vez de colaborar para uma justa distribuição da informação de maneira a contribuir para a emancipação intelectual e pensamento crítico da população, a mídia brasileira apenas corrobora com o padrão de violência institucional propagado pelo Estado, que serve para detectar como maléfico tudo o que nos afasta de uma “sociedade desenvolvida”.
A marginalização das camadas mais baixas da sociedade, antes de alimentada pela mídia popular, encontra sua legitimação na própria ação da polícia, numa prática histórica de violência institucional que visa criar a figura do vilão pobre e bandido, culpado pelo caos e violência da vida quotidiana dos grandes centros urbanos. Como afirma Serrano, “A tortura silenciosa, que é feita contra a maioria da população há décadas, tem guarida na sociedade, que tem sido permissiva com sua prática por falta de esclarecimento cumulada com justa indignação com o aumento da violência criminosa no ambiente social”[4].
Essa violência institucional começa na abordagem policial violenta e abusiva de transeuntes, e não está presente somente nos espaços do sistema carcerário mas também nas delegacias, nas casas das vítimas e nas ruas. Essa violência é claramente dirigida às camadas mais pobres da sociedade, historicamente marginalizadas, criando o que chama Almeida de "uma guerra social do Estado contra a pobreza"[5].
De tempos em tempos, lemos ou ouvimos falar a respeito das situação caótica a qual estão sujeitos os indivíduos detidos nas instituições penais brasileiras. Um caso que recebeu relativa atenção da mídia foi o caso das prisões em municípios do Espírito Santo, interditadas pelo Superior Tribunal de Justiça em março de 2010, quando descobriu-se que mantinham seus presos em contêineres de metal, sem sistema de esgoto, em que a temperatura chegava a 45º no verão. A superlotação também era um problema comum dos presídios capixabas interditados. Em Cariacica, foi encontrado um total de 500 homens “literalmente amontoados” no mesmo ambiente. Ainda constatou-se que, em alguns presídios, as refeições dos detidos eram servidas com alimentos estragados, e as visitas semanais eram feitas através de uma grade de arame farpado[6].
O caso representa uma das centenas de imagens da precariedade do sistema prisional brasileiro, que começou a se deteriorar a partir dos anos 60[7]. Em julho de 2013, a Organização das Nações Unidas promoveu um relatório afirmando que nas prisões brasileiras, há 360 mil camas para 550 mil presos[8]. A falta de estrutura afeta todos os aspectos da rotina dos detentos no Brasil. Segundo pesquisa do Ministério Público datada de julho de 2013, no estado do Amazonas, por exemplo, a oferta de objetos de higiene como roupas de cama e toalhas de banho inexistem em 44,4% das penitenciárias, assim como de uniformes (52,7%), artigos de higiene pessoal (50%) e alimentação orientada por nutricionistas (66,6%). O padrão de escassez é semelhante no que tange os estados do Norte e Sudeste brasileiro em que número insuficiente de camas, ausência de farmácias e de unidades materno-infantis, falta de estrutura de saneamento básico, luz e areação são problemas corriqueiros.
Como se ainda não bastasse, os detentos ainda vivem sujeitos ao tratamento violento e arbitrário dos agentes penitenciários. Práticas de tortura, ameaças de morte e privação de sono são instrumentos comuns da coação policial dentro das penitenciárias, fazendo com que a violência não seja praticada apenas dentro da hierarquia estabelecida pelas facções criminosas detidas no mesmo ambiente, mas que seja um fator intrínseco da vida quotidiana da comunidade penitenciária como um todo[9].
A legislação em relação ao direito dos presos, como o Código Penal, a Lei de Execução Penal do Brasil e a Resolução n. 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, é bastante clara em afirmar que todos os que se encontram detidos em instituições penitenciárias devem preservar “todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade”, incluindo o direito à sua dignidade e integridade física e moral. Porém, a realidade mostra que a condição de detento é um agravante do caráter marginalizado que o Estado atribui à camada social que preenche a maior parte das celas no Brasil de hoje. “Os presos foram rejeitados pelo Estado quando este deixou de oferecer desde o princípio da sua formação suas obrigações com saúde, educação e segurança”, afirma o especialista em segurança pública, Major Fábio Rodrigues de Oliveira[10].
O papel da educação é latente na reversão desse quadro de preconceitos e noções ambíguas que a sociedade brasileira possui sobre os direitos dos excluídos. Investir na educação em direitos humanos é um caminho inevitável se quisermos nos tornar plenamente seguros da garantia pelo Estado de nossos direitos fundamentais e, para isso, devemos nos reconhecer responsáveis pelos problemas que atingem a sociedade como um todo.
Como defende Serrano, “não se consegue efetivamente universalizar direitos humanos sem uma sociedade mais justa socialmente e, por consequência, mais educada, porque, em última instância, quem defende os direitos humanos é sempre a própria sociedade”[11].

Julianna Villa Verde é graduanda do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. Este artigo é fruto de pesquisa desenvolvida no âmbito do Grupo de Iniciação Científica "Educação para a Paz: Ética, Cidadania e Direitos Humanos", sob orientação do Prof. Thiago Assunção.



[1] VENTURI,Gustavo. Direitos Humanos: Percepções da opinião pública. Brasilia: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2010. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/livro_percepcoes/percepcoes.pdf>. Acesso em 01 de outubro de 2013.
[2] BENJAMIN, César. A Opção Brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.
[3] COMPARATO, Fábio Konder. Educação, Estado e Poder. São Paulo: Brasiliense 1987. 
[4] SERRANO, Pedro Estevam. Sobre os direitos humanos, a tortura silenciosa e o ‘homo sacer’. Última Instância, 11 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/2012/Sobre+os+direitos+humanos+a+tortura+silenciosa+e+o+homo+sacer.shtml>. Acesso em 27 de agosto de 2013.
[5] ALMEIDA, Angela Mendes de. O papel da opinião pública na violência institucional. 
[6] RONCETE, Kadija Luzia Pimenta. A aplicação do Direito Penal do Inimigo ao caso das prisões-contêineres capixabas e a crítica da teoria geral do Garantismo. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20630/a-aplicacao-do-direito-penal-do-inimigo-ao-caso-das-prisoes-conteineres-capixabas-e-a-critica-da-teoria-geral-do-garantismo>. Acesso em 27 de agosto de 2013.
[7] BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1990.
[8] KLEBER, Leandro. Peritos da ONU criticam prisões brasileiras. 29 de março de 2013. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=209568>. Acesso em 27 de agosto de 2013.
[9] COELHO, Edmundo Campos. A Oficina do Diabo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
[10] Major Fábio, Jornal Paraíba Agora, 18 de julho de 2013. Disponível em: <http://www.pbagora.com.br/conteudo.php?id=20130718103259&cat=politica&keys=-major-fabio-origem-caos-sistema-penitenciario-ausencia-poder-publico>. Acesso em 30 de julho de 2013.
[11] SERRANO, 2008.
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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Theotônio dos Santos e a Teoria da Dependência: comentários sobre a entrevista ao Programa Milênio (19/08/2013)


Bruno Hendler

Para os interessados nos fundamentos do pensamento latino-americano voltado para as questões do desenvolvimento, a leitura da obra de Theotônio dos Santos é obrigatória. O economista, que ajudou a dar corpo à Teoria da Dependência nos anos 1970 e hoje dialoga com a perspectiva dos Sistemas-Mundo, concedeu uma entrevista ao Programa Milênio do canal Globo News há cerca de um mês e suas palavras merecem tanto a atenção dos acadêmicos que convergem quanto a dos que divergem em relação às teorias críticas das ciências sociais.
Nos primeiros minutos de entrevista o autor apresenta seu cartão de visitas: “O livre intercâmbio é parte de uma visão ideológica que cria uma realidade falsa. O século XIX é conhecido nas Relações Internacionais como a Era do Liberalismo”, mas, segundo dos Santos, países como Brasil e Argentina eram “livres” apenas para receber navios (e produtos) ingleses.
Em seguida o autor dialoga com a perspectiva dos Sistemas-Mundo ao colocar a divisão internacional do trabalho como condicionante da assimetria de poder entre os países. Este argumento muito nos lembra a obra de Giovanni Arrighi, “A ilusão do desenvolvimento”, na qual o autor demonstra que, apesar do processo de industrialização do Terceiro Mundo a partir dos anos 1950 e 1960, a diferença de riqueza em relação ao Primeiro Mundo manteve-se praticamente inalterada, pois as atividades de maior valor agregado permaneceram nos países centrais. Em outras palavras, países semiperiféricos, especialmente os da América Latina, que viveram uma industrialização tardia, correram muito para ficar no mesmo lugar.
Ao longo da entrevista, Theotônio discorre sobre a importância de um projeto nacional de desenvolvimento que passe, necessariamente, por investimentos na área da educação e que esteja voltado para o intercâmbio de igual para igual com os países da Ásia Oriental. Também aponta para as oportunidades de aproximação econômica e cultural com a América Latina, em detrimento do espaço sul-americano valorizado pelo Itamaraty, e com os países da África e da Ásia.
Portanto, fica a dica do vídeo de cerca de vinte minutos para aqueles que querem conhecer, estudar ou mesmo criticar as premissas da Teoria da Dependência.

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sábado, 28 de setembro de 2013

A Aliança do Pacífico e os rumos da América Latina: desafios de integração, relações especiais com os Estados Unidos e aproximação com a Ásia




Bruno Hendler

Passados dois anos da criação da Aliança do Pacífico (AP), muito ainda precisa ser feito no tocante à integração de seus países membros, Chile, Peru, Colômbia e México. Porém, a convergência entre eles tem sido responsável por atrair a atenção de especialistas sobre os rumos da América Latina. Encabeçada por países que possuem relações especiais com os Estados Unidos e que têm sido governados por partidos de direita ou da chamada “Nova Esquerda” (BRESSER-PEREIRA, 2000), a iniciativa surge como um contraponto, planejado ou não, ao MERCOSUL e à Aliança Bolivariana das Américas (ALBA).
A maré de crescimento econômico dos países da AP gera euforia entre os críticos mais mordazes da politização do MERCOSUL, que relacionam “o fracasso” do bloco liderado pelo Brasil com “o sucesso da Aliança do Pacífico” (SETTI, 2013). Porém, dois anos é um prazo deveras curto para atribuir sucesso a qualquer iniciativa de integração regional – pode-se afirmar, no máximo, que se está diante de uma ideia promissora.
A AP surge em um contexto de ascensão econômica da Ásia, recuperação econômica dos EUA pós-crise de 2008/2009 e crise institucional do MERCOSUL. Se a Venezuela é o motor da ALBA (75% do PIB do bloco) e o Brasil o motor do MERCOSUL (80% do PIB) respectivamente, a AP não tende a gravitar em torno de uma única economia, ainda que o México seja responsável por 60% do PIB do bloco. Isso decorre não apenas da menor assimetria econômica entre os membros, mas principalmente do escopo liberal de integração e da não contiguidade territorial entre os países. Ademais, há um maior equilíbrio entre os membros deste bloco, ou seja, o menor PIB da AP (Peru) responde por cerca de 10% do total, enquanto os menores PIBs do MERCOSUL (Paraguai) e da ALBA (Dominica) não passam de cerca de 1% do total.
Segundo Felipe Bulnes, Embaixador do Chile nos EUA, e Harold W. Forsyth, Embaixador do Peru nos EUA[1], a proximidade entre os quatro países decorre mais de afinidades políticas e princípios compartilhados do que da integração econômica propriamente dita. Dado o pouco tempo de existência do bloco, é natural que o estreitamento de laços comerciais, financeiros e de circulação de pessoas não esteja consolidado. Enquanto o comércio intrabloco do MERCOSUL já chegou a 25% (em 1998) e hoje está em torno de 15%, o comércio entre os membros da AP é ainda muito baixo. Porém, uma série de iniciativas ambiciosas pretende reduzir as distâncias que os separam. As principais são (ETONIRU, 2013):
- Liberalização do comércio intrabloco. Em janeiro de 2013 os países membro concordaram em eliminar barreiras tarifárias para 90% das mercadorias que circulam dentro da AP.
- Circulação de pessoas. Com vistas a promover o turismo, a circulação de empresários e o intercâmbio de estudantes, planeja-se eliminar a necessidade de vistos para estadia de até 180 dias entre os quatro países, além da criação de 100 bolsas de estudo anuais para as universidades dos países membros.
- Integração de mercados financeiros. Desde maio de 2011 os três membros sul americanos (Chile, Peru e Colômbia) combinaram seus mercados financeiros em uma bolsa de valores, o Mercado Integrado Latino-Americano (MILA), visando facilitar e incrementar os investimentos estrangeiros. Ainda que o MILA tenha surgido fora do âmbito da AP, a possibilidade de adesão do México tem sido influenciada diretamente pela criação do bloco.
Outro fator é a relação especial com os EUA, seja em termos de comércio ou de segurança. Antes mesmo da criação do bloco, os quatro países já haviam celebrado acordos de livre comércio com os EUA. Os impactos desses acordos são variados mas, em geral, facilitam a entrada de investimentos e estreitam as relações comerciais com a economia norte-americana.
Na esfera da segurança, México e Colômbia são aliados tradicionais dos norte-americanos no combate ao narcotráfico e, ao longo das últimas duas décadas, passaram a receber treinamento, assessoria, material e, no caso da Colômbia, bases militares. O “Plano Colômbia”, por exemplo, adquiriu, com o financiamento dos norte-americanos, um viés militarista e policial, deixando de lado o caráter socioeconômico e dando margem a casos de desrespeito aos direitos humanos por grupos paramilitares como as Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) (RIPPEL, 2004, p. 3-4). De forma similar, o fluxo migratório de mexicanos para os EUA passou a ser tratado como questão de segurança, sem considerar que muitos emigrantes e traficantes optam por esses caminhos em decorrência da falência e da perda de competitividade da agropecuária mexicana após a adesão do país, sem fundos compensatórios, ao NAFTA (PETRAS, 2009).
Se as relações bilaterais com os EUA são fortes, o mesmo ainda não se pode dizer da relação em bloco com este país. Embora a AP se encaixe na estratégia norte-americana de se aproximar de governos de direita e de centro na América Latina, a última reunião de cúpula do grupo, em maio de 2013 na cidade de Cali, teve a ausência de representantes dos EUA na condição de observadores – status ocupado por países como Espanha, Austrália, Japão, Canadá, Nova Zelândia e Uruguai, além de Estados postulantes a adesão como Costa Rica, Panamá e Guatemala.
De todo modo, a América Latina continua (e continuará) sendo uma região de nítida predominância militar dos EUA. Porém, assim como na Ásia Oriental, no Oriente Médio e na África, o papel desempenhado pela China, tanto em termos econômicos quanto em termos de capital político, tende a crescer. Em outras palavras, a AP pode ser útil aos EUA como contraponto à ALBA e ao MERCOSUL, mas também pode tornar-se o canal de aproximação da China com a América Latina – e a localização geográfica dos membros da AP, bem como as declarações oficiais de seus líderes, favorece essa possibilidade.
A aproximação com a Ásia, e mais especificamente com a China, está no discurso e nos números da AP. Para o Embaixador da Colômbia nos EUA, Carlos Urrutia, o bloco não é apenas um “acordo de livre comércio”, mas um processo dinâmico que busca profunda integração regional e inserção internacional, especialmente com a Ásia-Pacífico[2]. Embora ainda não haja uma aproximação coordenada do bloco com esta região, seus membros já possuem acordos bilaterais de comércio com inúmeros países asiáticos, como Japão, Coreia do Sul e a própria China (KOTSCHWAR et. al, 2013). Ademais, de 2000 a 2011, as exportações dos países da AP para os EUA caíram em termos relativos, de 77% para 58%, enquanto que China e ASEAN passaram de 1% para 7% (idem).
Portanto, ao enfatizar o escopo econômico da AP, seus líderes deixam claro que pretendem manter a relação de proximidade política com os EUA e de indiferença, ou mesmo rejeição, às alternativas do MERCOSUL e da ALBA. Porém, reconhecendo a gradual transição da riqueza mundial dos EUA para a Ásia, Chile, Peru, Colômbia e México demonstram que não pretendem perder o bonde da história e se preparam para encurtar as distâncias entre os dois lados do Oceano Pacífico.


Bruno Hendler é mestre em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor de Relações Internacionais no Centro Universitário Curitiba.

Referências

BRESSER-PEREIRA, Luiz C. A nova Esquerda: uma visão a partir do sul. Revista Filosofia Política, nova série, vol. 6, p. 144-178, 2000.
ETONIRU, Nneka. Explainer: what is the Pacific Alliance? 17 de maio de 2013. Disponível em: http://www.as-coa.org/articles/explainer-what-pacific-alliance Acesso: 10/06/2013.
KOTSCHAWAR, Barbara; SCHOTT, Jeffrey J. The next big thing? The Trans-Pacific Partnership & Latin America. Americas Quarterly, 2013.
PETRAS, James. US-Latin America relations in a time of rising militarism, protectionism and pillage. Global Research, 2009. Disponível em: http://www.globalresearch.ca/us-latin-american-relations-in-a-time-of-rising-militarism-protectionism-and-pillage/13601 Acesso: 25/05/2013.
RIPPEL, Márcio P. O Plano Colômbia como instrumento da política norte-americana para a América Latina e suas consequências. Escola de Guerra Naval, 2004.
SETTI, Ricardo. México, Colômbia, Peru e Chile mostram ao Brasil o que deveria ser feito em vez de permanecer atolado no Mercosul. Revista Veja, 02/06/2013. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/mexico-colombia-peru-e-chile-mostram-ao-brasil-o-que-deveria-ser-feito-em-vez-de-permanecer-atolado-no-mercosul/ Acesso: 05/06/2013.
VII Encontro de Chefes de Estado da Aliança do Pacífico. Disponível em http://csis.org/multimedia/audio-pacific-alliance acesso em 31/05/13.




[1] Áudio da 7ª reunião de cúpula presidencial da Aliança do Pacífico, disponível em http://csis.org/multimedia/audio-pacific-alliance acesso em 31/05/13.
[2] Áudio da 7ª reunião de cúpula presidencial da Aliança do Pacífico, disponível em http://csis.org/multimedia/audio-pacific-alliance acesso em 31/05/13.

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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Participação cidadã e a melhoria da qualidade da gestão pública no Brasil

Entrevista concedida pelo Prof. Thiago Assunção para a Revista Perspectiva, da ISAE/FGV, em maio de 2013 (antes dos protestos que tomaram o país).


A participação do cidadão na sociedade e seu papel na Gestão Pública. O poder da educação e da cultura para a evolução social. O mestre e especialista em Direitos Humanos, Thiago Assunção, dá sua opinião sobre o cenário nacional e explica como podemos mudar a nossa realidade.

PERSPECTIVA: Professor, na sua opinião, qual é realidade da sociedade brasileira atualmente?
Thiago: O Brasil se encontra num momento de estabilidade econômica e democrática. Busca maior projeção no cenário internacional e vem recebendo cada vez mais atenção aos olhos do mundo. Começamos a atuar como líderes na América do Sul e entre os países chamados emergentes. A renda média aumentou e o nível de emprego não tem precedente. No entanto, do ponto de vista do cidadão, nota-se que o individualismo e a competitividade aumentaram muito. Competir até certa medida é bom, pois estimula o sujeito a querer fazer mais e melhor, até para melhorar sua condição social. Mas, como dizem as avós, “tudo o que é demais faz mal”. Vivemos um momento onde muitas pessoas se sentem insatisfeitas, seja por que não tem tempo suficiente para cuidar de si e aproveitar as coisas simples da vida, seja por que mesmo tendo conquistado uma situação financeira confortável, sentem que está faltando algo. Precisamos de mais cooperação e solidariedade. A coesão social passa por uma convivência mais equilibrada no dia-a-dia, com respeito e tolerância uns em relação aos outros. Ou seja, a melhora da qualidade de vida também passa por construirmos uma realidade socialmente justa no nosso entorno.
PERSPECTIVA: Conhecendo essa realidade, o que podemos fazer para melhorá-la?
Thiago: Nosso maior desafio agora é melhorar a qualidade do Estado, dos serviços públicos. E aqui estamos falando de gestão pública. É preciso que a população desperte para a necessidade de acompanhar mais de perto a atuação dos agentes públicos (e não só os políticos em época de eleição).
PERSPECTIVA: As pessoas perderam a confiança na política e isso tem prejudicado bastante no exercício da cidadania. O que fazer?
Thiago: Seria importante que o indivíduo percebesse o poder que possui, indiretamente, quando faz escolhas. O nosso estilo de vida e hábitos de consumo, por exemplo, têm um papel fundamental e um impacto muito maior do que imaginamos. É preciso alongar o olhar, deixando de pensar apenas na maximização dos ganhos imediatos. Quando compramos alimentos orgânicos, por exemplo, estamos não apenas cuidando da nossa saúde, mas também ajudando a preservar o meio ambiente e promovendo uma economia solidária. Ainda que se gaste um pouco mais para isso.
Quanto à participação cidadã, é preciso cobrar mais, levando sugestões e colaborando com o Poder Público. Existem muitos canais de comunicação hoje em dia que são subutilizados pelo cidadão para exigir melhorias e fiscalizar o Estado. Exemplos são as Ouvidorias e Corregedorias, órgãos presentes em quase todos os órgãos públicos, mas que são pouco conhecidos e aproveitados pela população. Ademais, existem hoje para praticamente todos os assuntos de responsabilidade do Poder Público, audiências públicas, conferências e conselhos, em âmbitos municipal, estadual e federal, onde são debatidos com a sociedade temas relevantes para a construção das ações, programas e projetos públicos. Acontece que esses espaços, na maioria das vezes, ou são ocupados sempre pelas mesmas pessoas (alguns interessados apenas em conseguir benesses pessoais ou exclusivamente para a sua categoria), ou por cidadãos que usam desses encontros para fazer reclamações pontuais a respeito de interesses particulares. Ou seja, poucos são os que vislumbram a possibilidade de discutir de forma mais ampla o bem estar da comunidade, por meio do questionamento crítico e proposição construtiva de soluções, o que acaba por desqualificar os debates nesses fóruns.
Por último, é preciso que nos apropriemos mais do espaço público. Temos que aprender a não ir, muitas vezes isolados dentro do carro, só do condomínio para a faculdade, o trabalho ou o shopping. Pesquisas comprovam que quanto mais gente nas ruas, menos perigosas elas se tornam. Curitiba tem dado os primeiros passos com a multiplicação de eventos públicos ao ar livre, como é o caso da “Virada Cultural”, o movimento “Ocupe o Passeio”, entre outros. Parcela da população tem cobrado ideias inovadoras, como o incentivo ao uso da bicicleta como meio de transporte. Temos que aprender a lutar por melhorias e isso se faz vivenciando as dificuldades, ao contrário daquela postura distante, que diz: “não dá para deixar o carro em casa enquanto não houver transporte público de qualidade”. É hora de assumirmos a cidade como espaço de convivência, onde se possa usufruir de cultura, arte e lazer. Já existem muitas cidades assim no mundo, e o resultado evidente é uma maior qualidade de vida e menor segregação social. É preciso encontrar e olhar nos olhos do outro, os “desconhecidos” com quem, no entanto, compartilhamos o mesmo espaço geográfico. Para tanto, é necessário ter iniciativa para tentar o novo, aproveitando as várias possibilidades que a cidade oferece, desde visitar o parque, o teatro ou o museu, até mudar o trajeto ou o meio de transporte de vez em quando. São pequenas atitudes que, até do ponto de vista psicológico, podem ser uma experiência prazerosa e libertadora.
PERSPECTIVA: E as ações do Estado?
Thiago: O Estado brasileiro precisa aprender a fazer melhor uso do dinheiro público. Isso passa pelo combate à corrupção, área que temos avançado, mas também por resolver alguns gargalos. Precisamos diminuir os cargos em comissão e contratar mais funcionários por concurso público, já que esses se prestam a selecionar de modo impessoal os candidatos mais preparados do ponto de vista técnico para as funções que irão desempenhar. É necessário também aumentar os quadros funcionais em atividades essenciais, onde a falta de pessoal é determinante na baixa qualidade ou lentidão dos serviços prestados. Estamos falando de contratar mais professores de ensino básico, médicos e enfermeiros, juízes, analistas e gestores públicos. O Poder Executivo, responsável direto pela prestação dos serviços públicos, deveria contar com um número maior de profissionais especializados em suas áreas de atuação (finanças, direito, comunicação, segurança, meio ambiente, engenharias, sociologia, etc.) e em compensação reduzir drasticamente o número de cargos em comissão, que são utilizados muitas vezes para acomodar interesses privados e eleitorais, com pessoas desqualificadas para as funções que são chamadas a desempenhar. Assessores, alguns especialistas e diretores até podem ser contratados dessa forma, em casos excepcionais, mas o que se observa no Brasil é o exagero e mau uso desta possibilidade, em todos os níveis. Por outro lado, seria preciso que o dinheiro fosse melhor aplicado, evitando-se desperdícios, o que pode ser feito por meio de um controle mais rígido das contas públicas. Deveríamos aprender a nos mobilizar, principalmente nas discussões quanto à formulação e execução do orçamento público. E nos manifestar, fazendo pressão nos casos de desvios e abusos. Avançamos um pouco neste sentido nos últimos anos, mas ainda falta muito.
PERSPECTIVA: O investimento em educação seria um meio de se provocar a evolução da sociedade? E a cultura?

Thiago: O que se percebe é que falta educação para o exercício da cidadania, ou seja, informação e principalmente consciência não apenas para participar, mas para saber participar de modo construtivo e civilizado. Já se sabe que não basta apenas aumentar o investimento em educação. A melhoria na qualidade do ensino se dá com mais recursos, mas também com a valorização do profissional da educação, com o apoio e participação ativa da sociedade e da família no ambiente escolar, com infraestrutura adequada e atividades de contra turno, enfim, depende de uma verdadeira mobilização de todos pela educação de qualidade. E de preferência, que a escola pública deixasse de ser desacreditada como é hoje, pois a separação que existe entre escolas particulares para quem pode pagar, e escolas públicas apenas para quem não pode, acaba gerando dois mundos que não se comunicam, perpetuando as desigualdades. Os currículos também teriam que ser revistos, já que temos ouvido muitos jovens reclamarem que o que aprendem na escola de modo geral não ajuda na vida prática. Seria mais interessante hoje aprender sobre educação financeira, como por exemplo, juros, inflação, não gastar mais do que ganha, aprender a poupar para ter tranquilidade no futuro, do que aprender a resolver equações matemáticas abstratas que hoje são solucionadas por computadores. No mesmo sentido se houvesse uma educação para a cidadania (noções da Constituição Federal, direitos e deveres enquanto cidadão), educação para a sustentabilidade e assim por diante. O fato é que todos somos obrigados (por lei inclusive) a terminar a escola, portanto é uma instituição onde passamos muito tempo de nossas vidas, e numa época em que o nosso caráter ainda está em formação. É por isso que nessa fase reside a oportunidade maior de construir uma geração mais consciente e atuante. Nesta fase está a origem da criminalidade e do uso abusivo de drogas, por exemplo, já que jovens sem perspectivas enveredam mais facilmente para a delinquência. No entanto, quando a pessoa já é adulta, não há outro modo de sensibilizá-la para tudo isso senão por meio da cultura. Por cultura, entendemos cinema, música, literatura, artes plásticas... mas também quadrinhos, grafites, danças, esportes, enfim, qualquer coisa que o sujeito goste de fazer e o tire da mera condição de consumidor. Atividades para que ele possa aproveitar seu tempo com qualidade, de modo a promover a autoeducação, o autoconhecimento, para que ele possa trabalhar a criatividade e a imaginação, o que o ajuda a sonhar, a recuperar a autoestima e a autoconfiança. Desse modo, passamos a ser sujeitos ativos do nosso próprio destino e não meros telespectadores.  

Thiago Assunção, Mestre em Educação para a Paz: Cooperação Internacional, Direitos Humanos e Políticas da União Europeia, pela Universidade de Roma III, Especialista em Docência no Ensino Superior e graduado em Direito. Professor e Pesquisador de Direitos Humanos e Integração Regional no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Coordenador do Grupo de Pesquisa “Educação para a paz: ética, cidadania e direitos humanos” na mesma instituição. Concluiu o curso de Direito Internacional e Comparado dos Direitos Humanos, no Institut International des Droits de l’Homme (Estrasburgo, França). 
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