sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: Guerras de extermínio



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.


Guerras de extermínio


Devlin Biezus
Marina Lombardi
Maria Vitoria Essenfelder

O termo "guerra de extermínio" é usado aqui para designar conflitos que englobam crimes como genocídio, etnocídio e limpeza étnica. O termo genocídio é um neologismo criado por Raphael Lemkin, na década de 1940. O crime de eliminar grupos de pessoas baseado em sua etnia, nacionalidade, religião, ou classe é datado muito antes do século XX. Jurista de origem judaica e polonesa, Lemkin foi responsável não apenas em cunhar o termo "genocídio", mas também por popularizar-lo. 

Segundo Lemkin, o genocídio é “um plano coordenado de diferentes ações destinadas a destruição das bases essenciais da vida de grupos nacionais, com o objetivo de aniquilar esses próprios grupos” (LEMKIN, 1944). Devido aos esforços do autor, o termo foi utilizado nos principais ordenamentos jurídicos internacionais e, em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas classificou o genocídio como crime passível de punição por meio da aprovação da "Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio". 

A Convenção foi ratificada no Brasil em 1952 e seu Artigo II define que:

Na presente Convenção entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional. étnico, racial ou religioso, como tal:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. (BRASIL, 1952). 


Tendo como base o Artigo II, é importante destacar que o crime do genocídio não se caracteriza apenas pela eliminação física de alguém, mas também pela lesão mental, pelo impedimento de nascimentos em determinado grupo e pela remoção forçada de pessoas da sua região. Apesar da Convenção ter criado as bases legais para a punição do genocídio, a questão para a prevenção desse crime ainda não é eficaz. Após o Holocausto, o mundo como todo ficou perplexo com tamanha destruição de pessoas. A promessa era de que a repetição desse crime jamais aconteceria. Mas, ainda no século XX, ele se repetiu por inúmeras vezes: o massacre de Khmer Vermelho no Camboja, a eliminação de curdos pelo regime iraquiano de Saddam Hussein, a guerra entre tutsis e hutus em Ruanda e a destruição de comunidades na dissolução da Iugoslávia, para citar apenas os principais. 

Ao analisar os casos citados anteriormente, é possível inferir que o extermínio é um instrumento utilizado dentro de alguns conflitos e guerras. Ou seja, o genocídio se encontra dentro de um conflito pré-estabelecido e é um instrumento para atingir um objetivo desse conflito, podendo ser econômico, estratégico ou político. Assim, usualmente, há um grupo dominante, ou majoritário, que busca eliminar o minoritário em detrimento da “sobrevivência” do dominante. Essa eliminação pode acontecer tanto de formas violentas quanto psicológicas, ou até por meio da destruição de seus legados, como construções, obras e templos religiosos. A parte destrutiva tenta inferiorizar uma minoria, fazendo-se acreditar que aquelas pessoas são uma ameaça. Nesse sentido, os discursos que buscam justificar tais atos possuem uma grande relevância no processo de extermínios, podendo ser formados por mitos e ideologias nacionalistas que reforçam uma identidade. 

Outro tipo de guerra de extermínio é o etnocídio. O termo foi redefinido pelo autor francês Robert Jaulin em 1970, na sua obra La paix blanche: introduction à l’ethnocide(A paz branca: introdução ao etnocídio), a qual trata do etnocídio sofrido pelo povo indígena Bari, o qual vivia na fronteira entre Colômbia e Venezuela. 

Jaulin define o etnocídio como a destruição sistemática do pensamento, da cultura e do modo de vida das pessoas diferentes daquelas que realizaram o ato, desta forma o etnocídio mata um povo ou grupo em seus espíritos e respectivas culturas. O assassinato coletivo e arbitrário, abdução sistemática de crianças em ordem de afastá-las da cultura de seus pais, trabalho forçado, abandono obrigatórios de hábitos culturais são exemplos de etnocídio. Desta forma, o etnocídio é uma forma oprimir as expressões culturais, é o ato de destruir qualquer traço de uma cultura, seja ele material (símbolos, construções, obras artísticas), ou imateriais(língua, crenças religiosas), pelo fato de que aqueles que o faz, terem o pensamento de que são superiores de alguma forma, podendo o etnocídio, até ser classificado como um tipo de arma de controle. 

Por fim, a limpeza étnica é caracterizada, assim como o etnocídio, pela deliberada ação de eliminar traços de uma etnia. Neste caso, o objetivo é dizimar o grupo étnico de determinada região, abrangendo, assim, aspectos geopolíticos. A limpeza étnica ocorre por meio da remoção forçada de um determinado grupo étnico ou religioso de determinado território por um grupo mais forte com a intenção de tornar o lugar etnicamente homogêneo. Um exemplo de limpeza étnica é o caso da Palestina, analisado por Ilan Pappé (2016). A Palestina tem seu território disputado com os judeus sionistas antes mesmo da criação do Estado de Israel, em 1948. A limpeza étnica é um conceito que traz a delimitação territorial como um aspecto que a diferencia do etnocídio, visto que a motivação para o extermínio é dominar o território, seja econômica ou politicamente.

Apesar do genocídio, do etnocídio e da limpeza étnica serem conceitos que a princípio possam parecer sinônimos, todos apresentam suas devidas particularidades. Compreender o que cada um representa nos permite observar a complexidade de uma guerra de extermínio, em que não apenas ocorre a morte física de indivíduos de um grupo, mas também de sua cultura e de seu território. 


REFERÊNCIAS:


JAULIN, Robert. La paix blanche: introduction à l’ethnocide. Paris: Seuil, 1970.
LEMKIN, Raphael. Axis rule in occupied Europe. Clark, N.J.: Lawbook Exchange, 1944.
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016.

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